Treino positivo - evidências publicadas em revistas científicas

Foto: Momento de descontração na floresta




O nosso conhecimento acerca da forma como os cães pensam, sentem e aprendem está em constante evolução. Treinadores e todos aqueles cuja profissão envolve lidar com cães, bem como tutores (donos) de cães, devem manter-se actualizados acerca do conhecimento disponibilizado pela comunidade cientifica que estuda o comportamento de animais no geral, e cães em particular.


A comunidade cientifica já publicou vários estudos que revelam que o treino que recorre a métodos punitivos pode ter graves consequências negativas no comportamento canino.

O treino positivo é, sem dúvida, o futuro do treino canino!

Neste artigo do blog CãoSciência podem aprender a distinguir entre um treinador positivo de um treinador punitivo. 

A seguir apresento uma lista de artigos científicos recentemente publicados que evidenciam os benefícios do treino positivo em detrimento de técnicas punitivas. Há mais, muitos mais… A maior parte das revistas científicas são pagas e o leitor poderá apenas aceder ao resumo do artigo. Eu li integralmente os artigos pois tenho acesso a uma biblioteca universitária e fiz um pequeno resumo em português. Se tiverem dúvidas ou questões em relação a algum dos artigos, podem entrar em contacto comigo e tentarei clarificar.




Foto: Primeira viagem de comboio, com muito reforço positivo


Rooney, N. J., Cowan, S. (2011). Training methods and owner–dog interactions: Links with dog behaviour and learning ability, Applied Animal Behaviour Science, No. 132, pp. 169–177.

Neste artigo os autores avaliaram a ligação entre o método de treino que os tutores reportaram e observações subsequentes do comportamento do cão. Os autores também exploraram associações entre o comportamento do tutor e do cão quando testados na sua própria casa. 53 tutores foram inquiridos sobre o método que utilizariam para treinar 7 tarefas comuns e foram filmados a interagir com os seus cães numa série de cenários padrão.
Os autores observaram que:
  • Cães de tutores que utilizam uma maior percentagem de punição mostravam menor probabilidade de interagir com estranhos;
  • Cães de tutores que utilizam castigos físicos tendem a brincar menos;
  • Cães de tutores que usam recompensas têm uma melhor prestação a desempenhar tarefas novas;
  • Cães de tutores que brincam mais e que treinam de forma paciente, demonstraram maior habilidade para desempenhar tarefas novas.
Este estudo mostra relações claras entre o comportamento actual do cão e historial de treino reportado pelo tutor, bem como com o comportamento do tutor. Elevados níveis de castigo podem ter efeitos negativos no comportamento do cão enquanto que métodos baseados em recompensas podem melhorar a capacidade de aprendizagem do cão.
Os autores concluem que há evidências que o uso de métodos de treino baseados em recompensas traz benefícios para o bem-estar do cão porque está ligado a uma melhor aprendizagem e a uma relação cão-tutor equilibrada.



Herron, M. E., Shofer, F. S., Reisner, I.R. (2009). Survey of the use and outcome of confrontational and non-confrontational training methods in client-owned dogs showing undesired behaviors, Applied Animal Behaviour Science, No. 117, pp. 47–54.

Os autores reportam os resultados de um questionário respondido por 140 tutores de cães que tiveram consultas num centro de aconselhamento de comportamento em Pensilvânia nos EUA. O questionário era sobre intervenções no passado e incluía questões  se foram positivas ou negativas, o efeito no comportamento do cão e a observação de comportamentos agressivos.
  • Tutores experimentaram várias intervenções antes de recorreram a este centro, muitas das quais causavam respostas agressivas;
  • A maior incidência de agressão ocorria em resposta a intervenções aversivas ou confrontacionais. Isto verifica-se tanto para intervenções punitivas directas (alpha roll, abanar o cão, etc.) como indirectas (sons, gritar, etc.);
  • Treino baseado em recompensas desencadeava agressão em pouquíssimos cães;
  • Os tutores indicaram que as intervenções passadas foram baseadas no conhecimento que tinham ou em “treinadores”. Considerando que o tutor comum não tem conhecimento sobre modificação comportamental ou gestão de agressão, pode ser muito perigoso para o tutor lidar com tais problemas sem ajuda profissional. A competência e ética de muitos “treinadores” pode colocar em risco cães e tutores devido a mau aconselhamento e uso de técnicas punitivas;
  • Os tutores reportaram que as intervenções a que os cães foram sujeitos tiveram efeitos positivos ou não tiveram qualquer efeito no comportamento do cão. Os tutores não tinham percepção que respostas agressivas a uma intervenção específica pudessem ser consequência do método de treino.;
  • Tutores de cães agressivos com membros da família estavam em risco de ferimentos - e os cães em risco de eutanásia - quando certos métodos aversivos são usado;
  • Treino baseado em recompensas é menos stressante e doloroso para o cão e, em consequência, mais seguro para o tutor.

Deldalle, S., Gaunet, F. (2014). Effects of 2 training methods on stress-related behaviors of the dog (Canis familiaris) and on the dog-owner relationship, Journal of Veterinary Behavior, No. 9, pp. 58-65.

O objectivo deste estudo é analisar o efeito de 2 métodos de treino no comportamento do cão e na relação entre o cão e o tutor. O primeiro método é baseado no reforço positivo (aparecimento de um estímulo apetecível) e o segundo método é baseado no reforço negativo (desaparecimento de um estímulo negativo). Os autores compararam comportamentos relacionados com sinais de stress e comportamentos de atenção ao tutor em 2 escolas de treino, que usavam diferentes métodos. Ou autores estudaram o comportamento de andar de trela e responder ao sinal verbal “senta’. Os cães treinados na escola que usa reforço negativo apresentavam uma postural corporal mais baixa e sinais de stress. Os cães treinados na escola que usa reforço positivo mostravam-se mais atentos ao tutor. Os autores não observaram diferenças significativas em comportamentos de evitação.

Alexander, M. B., Friend, T., Haug, L. (2011). Obedience training effects on search dog performance, Applied Animal Behaviour Science, No. 132, pp. 152–159.

Cães de busca têm que ser precisos, confiáveis e que trabalhar independentemente, respondendo aos sinais do tratador. O objectivo deste estudo é identificar factores de treino que contribuem para preparar cães de busca competentes. Demografia, método de treino, idade em que o treino iniciou, experiência do treinador e tempo despendido em treino foram determinados com recurso a 177 inquéritos. A obtenção de um certificado nacional (EUA)  foi utilizada para determinar o sucesso. Métodos baseados no reforço positivo foram utilizados por 72% dos participantes com um cão que obteve o certificado. As respostas indicam uma preferência por começar com o treino de obediência cedo utilizando reforço positivo. Contudo, o uso de objectos de treino aversivos aumenta com o passar da idade do cão. 86% dos participantes prefere começar treino de obediência antes dos 6 meses de idade. 55% dos participantes prefere começar treino de agilidade antes dos 6 meses de idade. O tempo despendido em treino está directamente relacionado o sucesso. Treinar mais do que 4 horas por semana aparece como crucial para obter o certificado. O estudo mostra elevado sucesso no uso de reforço positivo para treinar cães de busca.



Blackwell, E. J., Twells, C., Seawright, A., Casey, R. A. (2008). The relationship between training methods and the occurrence of behavior problems, as reported by owners, in a population of domestic dogs, Journal of Veterinary Behavior, No. 3, pp. 207-217.
192 tutores de cães, que passeavam os seus cães ou que visitaram um hospital veterinário no Reino Unido, foram recrutados para responder um questionário. 88% dos participantes já tinham tido alguma forma de treino para os seus cães. Os métodos de treino utilizados variam: 16% usaram apenas reforço positivo, 12% usaram uma combinação de reforço positivo e reforço negativo, 32% usaram uma combinação de reforço positivo e castigo positivo e os restantes 40% usaram uma combinação de todas as categorias. 72% dos tutores usaram alguma forma de castigo positivo. O número médio de comportamentos indesejados reportados foi de 11.3 por cão. A frequência de aulas de treino formais não afectou significativamente o número de potenciais comportamentos desejados. Contudo, cães que frequentaram aulas de sociabilização para cachorros são menos propensos a demonstrar comportamentos indesejados a relação a cães estranhos. Tutores que treinaram informalmente os seus cães em casa, e que não frequentaram aulas formais, relataram mais comportamentos agressivos. Os resultados indicam menor incidência de comportamentos indesejados em cães treinados com métodos positivos, ou seja, sem recurso a métodos punitivos.

Casey, R. A., Loftus, B., Bolster, C., Richards, G., Blackwell, E. J. (2014). Human directed aggression in domestic dogs (Canis familiaris): Occurrence in different contexts and risk factors, Applied Animal Behaviour Science, No. 152, pp. 52–63.

As mais comuns consequências de agressão de cães dirigida a humanos são a entrega num canil/associação e a eutanásia. Os objectivos deste estudo são estimar o número de cães mostram comportamentos agressivos com pessoas em 3 contextos (estranhos a entrar em casa, estranhos no exterior e membros da família), identificar se estes comportamentos ocorrem simultaneamente e investigar factores de risco para cada um dos 3 contexto. Neste estudo, agressão é definida como ladrar, rosnar, abocanhar ou morder. Os resultados mostram que:
  • Comportamentos agressivos dirigidos a desconhecidos é mais comum do que com membros da família;
  • A maior parte dos cães não mostram comportamentos agressivos em contextos diferentes;
  • Tutores mais velhos reportam menos comportamentos agressivos em qualquer contexto do que tutores jovens;
  • Mulheres reportam menos casos de agressividade dirigida a visitas;
  • Cães mais velhos estão associados a maior risco de comportamentos agressivos dirigidos a pessoas desconhecidas, dentro ou fora de casa;
  • Cadelas esterilizadas demonstram menos risco de comportamentos agressivos nos 3 contextos;
  • Cães que frequentaram aulas de cachorros apresentam menor risco de demonstrar comportamentos agressivos dirigidos a desconhecidos;
  • Treino com castigo positivo ou reforço negativo foi associado a uma maior probabilidade de comportamentos agressivos dirigidos à família ou a desconhecidos no exterior;
  • O estudo evidência que comportamentos agressivos estão associados a determinadas situações e que não são uma característica do cão;
  • O estudo identifica algumas características de tutores e de cães que aumentam a probabilidade de comportamentos agressivos;
  • Os resultados demonstram que é incorrecto assumir que um cão tem maior probabilidade de demonstrar comportamentos agressivos com base na sua raça;
  • Todos os factores estudados apresentam uma pequena variação entre cenários reais e cenários de controlo, ou seja, factores mais específicos e as experiências individuais do cão explicam  a restante variação;
  • É importante que todos os cães sejam treinados/avaliados a nível individual.

Hiby, E. F., Rooney, N. J., Bradshaw, J. W. S. (2004). Dog training methods: their use, effectiveness and interaction with behaviour and welfare, Animal Welfare, Vol. 13, No. 1, pp. 63-69.

O método de treino utilizado pode ter impactos no bem-estar do cão. Um questionário foi feito a 364 tutores de cães de forma a determinar o efeito de diferentes métodos de treino no comportamento canino. Quando questionados sobre o método que utilizaram para ensinar 7 tarefas básicas, 66% usaram castigo verbal, 12% castigo físico, 60% elogios (recompensa social), 51% alimentos como recompensa e 11% recorreram a brincadeiras (havendo, assim, sobreposição de métodos). A resposta dos cães durante a execução de 8 tarefas está directamente relacionada com o uso de recompensas no treino. Quando questionados sobre a observação de qualquer um de 16 comportamentos problemáticos, o número de problemas observados está relacionado com o número de tarefas ensinadas com recurso a castigos. Comportamentos problemáticos são geralmente resultado de ansiedade, ou seja, mau estar do cão. Cães treinados com métodos punitivos não se revelam mais obedientes do que cães treinados com métodos positivo. Métodos positivos estão relacionados com maior obediência e menos comportamentos problemáticos.

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